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Hoje o dia surgiu sem pretensão alguma.

Sem uma máscara de gás, sem agulha.

Simplesmente apareceu na manhã

e disse “já não caibo em ti”.

Ti…tubeou, sem dizer em uma só cor

o que significava seu dizer,

apenas calou-se.

O bêbado, que ia a passos tortos,

viu o dia raiar e falar com ninguém,

mas sabia que olhos de vodka

não têm razão nem realidade

aos olhos do trabalhador.

Era uma quinta-feira.

Na feira da quinta fruta não tinha.

Na fruta da feira, quinta também.

O homem que vendia vagem calou-se,

a gritaria generalizada não o permitia ouvir,

mas viu, longe dali, seu filho gritar o nome do pai.

“Ninguém quer comprar ‘pai’ aqui”, dizia o consumidor.

O consumidor comprou o que queria e saiu,

no meio da gritaria ignorou ou não ouviu

uma gestante pedindo socorro.

Ao sair com seu carro, sem nem repetir,

atropelou o bêbado e num poste bateu.

O sinal estava vermelho,

mas ele não bebeu, ele não bebeu.

Em um prédio a poucos metros dali

uma senhora assistia o sangue a jorrar

e entendia o que o dia quis dizer:

  • Você já não pode me satisfazer.

Pegou seu casaco e saiu de casa.

Pôs-se em prantos quando viu o bêbado morrer.

Dizia-se mãe, amiga e mulher

e, enquanto ninguém entendia aquele choro inútil,

ela, heroína, segurava a mão de um cadáver

e evidenciando seu não parentesco

dizia “ninguém merece morrer sozinho”.

O dia, no meio do caminho, agradeceu por ser salvo.